Em Busca do Angu à Baiana no Galeto 183

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O Angu da Dona Ana, inspirado na receita do Angu do Gomes, que por sua vez é uma versão do Angu à Baiana

O Galeto 183, na Rua de Santana, Centro do Rio é conhecido por suas carnes grelhadas. A despeito disso, estive especialemente numa quarta-feira ao local em busca de um prato histórico do Rio de Janeiro: o Angu à Baiana, que inspirou o Angu do Gomes.

É nas quartas que eles servem o Angu da Dona Ana. O prato é baseado na receita original criada para o mítico Angu do Gomes. Este, por sua vez, teve origem justamente no Angu à Baiana vendido nas ruas do Rio desde o século XIX.

A receita original do Angu do Gomes foi passada por João Gomes, filho do lendário Manuel Gomes, para a Dona Ana e está até hoje em um quadrinho na parede do Galeto 183. É, sem dúvida, uma peça de grande valor para cultura carioca.

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A receita original do Angu do Gomes está registrada em um quadrinho no Galeto 183

O Angu da Dona Ana é servido como mandava assim a tradição no velho restaurante Angu do Gomes. São duas travessas de metal. Uma com o angu e a outra com os miúdos. A receita passada para a Dona Ana leva pedaços de coração, bofe (ou pulmão bovino), o toucinho, linguiça paio, carne de acém e de rabada de boi cozidas lentamente.

Solicitei uma meia porção, que ainda assim é bem substancial. É até difícil explicar a sensação de comer um Angu à Baiana. Pura emoção e muita história. Portanto, se você quer conhecer mais a fundo a gastronomia carioca, não pode deixar de provar.

Angu x Polenta

Para começo de conversa é bom deixar claro que Angu não é polenta, pois algumas pessoas fazem confusão. O termo Angu vem de ÁGUM, do idioma FON de origem africana e se referia a um papa feita de inhame. Os portugueses levaram o milho para a África e este passou a ser uma das matérias base do Angu.

O Angu retornou ao Brasil trazido pelos negros escravizados e se tornou uma das bases da alimentação da população brasileira. Aqui também era costumeiramente preparado com farinha de mandioca misturada com água. O Angu de milho é tradicionalmente feito com o fubá.

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Em uma das travessas é servido o Angu de milho com o molho em cima

O milho, que por sua vez já era utilizado amplamente pelos povos originários da América, também foi levado para Europa . Lá gerou novas receitas, entre as quais, na Itália, a da polenta que é um creme preparado com farinha de milho mais grossa, água e sal, mas que pode ser feita com aveia ou trigo.

Curiosamente, os italianos trouxerem a sua polenta ao Brasil nas imigrações para o Sudeste e Sul nos séculos XIX e XX. Mas aqui já reinava o Angu, consumido pela população há bastante tempo. São duas coisas diferentes.

Angu do Gomes

Eu seria negligente se não dedicasse, todavia, umas palavras para falar do Angu do Gomes. É inegável a sua importância para a cultura e gastronomia carioca. Poderia até dizer que o Angu do Gomes ajudou, pois, a preservar o Angu à Baiana na memória afetiva da cidade.

Foi o imigrante português Manuel Gomes quem criou o Angu do Gomes. Inspirado no Angu à Baiana vendido nas ruas do Rio, ele começou então a comercializar a sua versão em carrocinhas pela cidade.

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Na segunda travessa do Angu da Dona Ana ficam os miúdos de boi

O grande salto aconteceu então quando João Gomes, seu filho, junto de seu sócio Basílio, assumiram o negócio com a morte de Manuel e estabeleceram um padrão de receita usando os miúdos de boi. Desenvolveram assim uma marca e começaram a produzir em escala industrial. Chegaram enfim a ter mais de 80 pontos de vendas por meio de carrocinhas por toda a cidade.

O Angu do Gomes tornou-se mítico e sem dúvida foi uma base relevante de alimentação da classe trabalhadora carioca por ser barato e consistente. Sua fama, no entanto, atravessou as classes sociais se popularizando por todo o estrato da sociedade.

Restaurante do Angu do Gomes

Com o sucesso os sócios abriram o restaurante do Angu do Gomes nos anos 70, no Largo de São Francisco da Prainha, que se tornou um ponto de efervescência, reunindo de artistas a políticos. Mas a crise econômica dos anos 80 e a concorrência dos fast food e das redes de restaurante com bandejão fizeram o caldo entornar nos anos 90.

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O salão do Galeto 183, restaurante tradicional na Rua de Santana, Centro do Rio

A sociedade foi desfeita e as carrocinhas já não circulavam mais. Assim, o restaurante fechou as portas. Em 2009, porém, o Chef Rigo Duarte, neto de um dos fundadores, o Basílio Moreira reabriu o Angu do Gomes.

Hoje a casa funciona próximo ao endereço original na Saúde. Alguns dizem que a receita atual servida lá, no entanto, não seria a mesma do Angu do Gomes original. Esta, por sua vez, conforme dizem, é a passada por João Gomes a Dona Ana e servida no Galeto 183.

Angu à Baiana x Angu do Gomes

É muito importante ter em vista que o Angu à Baiana, todavia, é uma receita muito mais antiga do que o Angu do Gomes. Em realidade, o Angu do Gomes é uma versão de Angu à Baiana, como o já citado.

O cronista francês Jean-Baptiste Debret, em sua obra Viagem Pitoresta e Histórica ao Brasil, aborda em uma passagem o comércio de angu de farinha de mandioca nas ruas do Rio ainda na primeira metade do século XIX: “O angu, iguaria de consumo generalizado no Brasil, e cujo nome se dá também à farinha de mandioca misturada com água, compõe-se no seu mais alto grau de requinte, de diversos pedaços de carne, coração, bofe, língua, amígdalas e outras partes da cabeça à exceção do miolo, cortados em miúdo…”

O angu consumido no Rio, mais cremoso e servido com miúdos de porco e de vaca passou então a ser conhecido como Angu à Baiana. O termo à Baiana adotado para o prato carioca certamente se deve à influência dos negros Nagôs, ou minas (como eram chamados na capital) vindos Bahia a partir do Século XIX na cultura e imaginário da cidade, deixando legados extraordinários entre os quais o samba e o candomblé.

Jean Baptiste Debret, Angu à Baiana
Vendedoras de Angu no Rio em registro de Jean Baptiste Debret no álbum iconográfico Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil

Uma imagem também vinculada então as negras vendedoras de quitutes e Angu, bastante presentes no mercado de trabalho. Assim se deu o nome Angu à Baiana ao prato de angu com miúdos comumente vendido pelas ruas do Rio.

Onde encontrar afinal a receita original do Angu à Baiana?

Eu confesso que procurei muito um local no Rio de Janeiro que servisse o que seria a receita de Angu à Baiana anterior ao Angu do Gomes, mas não encontrei. O que pude constatar, no entanto, é que o Angu à Baiana tinha como base miúdos de boi e de porco. É bem provável que variasse e não tivesse assim um padrão.

Fato é que hoje em dia no Rio o que se entende como Angu à Baiana se confunde muito com o Angu do Gomes. Vejo muitos botecos servirem um prato até mais básico como o Angu com Rabada como se fosse um Angu à Baiana.

Para quem quiser conhecer o prato, vale visitar o Galeto 183, com o ótimo Angu da Dona Ana. Claro, também há a própria versão do atual restaurante Angu do Gomes, na Saúde. Outro local para se provar é no restaurante afro-brasileiro Kaza 123 em Vila Isabel.

Endereço: Rua de Santana 183 – Centro. Rio de Janeiro / RJ.
Horário: de segunda a sexta das 6h às 17h.
Contatos: (21) 2252-3914.

Para saber mais: 
instagram.com/galeto183

Endereço: Rua Sacadura Cabral, 75 – Saúde. Rio de Janeiro / RJ
Horário: diariamente das 11h às 22h.
Contato: (21) 2233-4561

Para saber mais:
instagram.com/angudogomes

Rua Visconde de Abaeté, 123 – Vila Isabel, Rio de Janeiro / RJ
Horário: Quarta e quinta das 17h às 23h. Sexta das 17h às 00h. Sábado das 12h às 20h. Domingo das 12h às 18h.
Contato: (21) 99202-9229

Para saber mais:
instagram.com/kaza123____/

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