A região da Saara, no Centro do Rio de Janeiro, é famosa pelo comércio popular, mas além das lojas, barracas e vitrines, existe ali uma das tradições gastronômicas mais fortes do Rio: a dos restaurantes libaneses fundados por imigrantes, que chegaram a então capital brasileira em busca de novas oportunidades.
Neste roteiro, visitei três grandes clássicos da região — El-Gebal, Padaria Bassil e Sírio Libanês — para relembrar a história, provar receitas tradicionais e entender por que esses lugares são referência de comida árabe no Rio há décadas.
Saara: muito além do comércio
Antes de começar a comilança, é bom reforçar uma curiosidade essencial: o nome correto é “A Saara”, porque a sigla significa Sociedade dos Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega. Não tem nada a ver com o deserto africano, apesar de que, no verão carioca, aquela área do Centro do Rio é bem quente.

A região começou a se desenvolver no final do século XIX sendo um dos principais pontos de concentração do comércio de imigrantes libaneses e sírios. Junto com as lojas surgiram os primeiros restaurantes de comida típica.
Hoje, a Saara é comparada à Rua 25 de Março paulistana: um gigantesco centro comercial ao ar livre que vai da Central à Uruguaiana, entre a Rua da Alfândega e a Rua Senhor dos Passos, englobando ao menos umas 12 ruas.
El-Gebal — tradição libanesa desde 1958
Iniciei minha jornada pelo El-Gebal, na Rua Buenos Aires. Esse restaurante tem um lugar especial na minha memória afetiva. Foi ali que provei comida árabe pela primeira vez, ainda criança, levado pelo meu pai.
A casa segue exatamente como me lembrava: elegante, bem preservada e com aquele ar clássico dos antigos restaurantes do Centro.

Fundado em 1958 pelo libanês Yusuf Haddad, o El-Gebal segue na mesma família até hoje. Um verdadeiro patrimônio da culinária árabe carioca.
Para começar, pedi uma indispensável porção de Homus (Pasta de grão-de-bico com tahine R$ 39,00). Sempre tive um apreço pessoal por esse homus e acho que pasta de grão de bico é muito isso, a melhor de certa maneira é aquela que temos um apego. Seja por ser uma receita familiar, ou servida em um lugar que íamos quando criança, como nesse caso.
O ritual do Kibe Cru
Logo acompanhou a porção de Homus a travessa com o Kibe Cru, outro item que eu adoro da comida libanesa. Lembro da primeira vez que comi, devia ter uns sete anos, como se fosse hoje, fascinado por estar devorando aquele conjunto de carne crua, enquanto me deliciava no processo.
A porção no El-Gebal é servida da maneira tradicional, com o Hamsa (a carne moída assada), cebola, hortelã e cebolinha (R$ 54,00 a porção).

Antes de servir o pessoal da casa pergunta se vamos querer já misturado. No entanto, para mim, ir partindo os legumes e misturando com a carne faz parte do ritual de comer o Kibe Cru.
Primeiro o azeite por cima, cebola fatiada, hortelã fresca, um pouco de kibe assado junto da carne crua. Bom de comer com o pão árabe. Também gosto de colocar homus e kibe cru nas fatias de pão. De todo jeito é bom.
Padaria Bassil — esfihas no forno à lenha desde 1913

Do El-Gebal segui para a Padaria Bassil, um dos lugares mais tradicionais da Saara. Arrisco a dizer, uma das padarias mais antigas em atividade no Rio, fundada em 1913 pelo libanês Tufi Bassil. E ela segue com a mesma família há quatro gerações.
O movimento é intenso o dia todo. Gente que entra e sai, em busca das esfihas. Pedi a esfiha de carne (R$ 10,00), uma das minhas favoritas da cidade. Leve, assada no forno à lenha, massa perfeita e ótimo recheio. Dá vontade de comer duas, três, quatro sem parar. É realmente fenomenal.
Esfiha com Mineirinho
Fiquei ainda mais feliz quando me dei conta de que lá eles vendem Mineirinho, um clássico refrigerante que marcou gerações de fluminenses, mas que não é tão fácil de achar na cidade do Rio.
Tem um sabor muito característico, fruto do uso de extrato de guaraná e a planta chapéu-de-couro em sua fórmula.

O nome se deve ao fato de que originalmente era produzido em Ubá, Minas Gerais, mas a fábrica se mudou para Niterói nos anos 40 e atualmente está em São Gonçalo.
Não poderia querer outra coisa na vida do que aquele Mineirinho com a deliciosa esfiha da Padaria Bassil.
A aposta de Garrincha
A Bassil também guarda uma história curiosa: os azulejos pretos e brancos teriam sido escolhidos após uma aposta no Campeonato Carioca de 1962 entre Garrincha, jogador do Botafogo, e o lateral direito do Flamengo Jordan.

O perdedor pagaria a reforma da padaria com as cores do rival. Naquela ocasião o Botafogo venceu então Jordan bancou a reforma do espaço em preto e branco.
Restaurante Sírio Libanês — kafta de cordeiro e história familiar
A última parada foi no Restaurante Sírio Libanês, aberto em 1967 por Jawad Salim Ghazi, imigrante do norte do Líbano. Ao abrir o restaurante, decidiu preservar receitas de família, que permanecem até hoje sendo preparadas pela mesma linhagem. A logo do restaurante faz referência aos navios que trouxeram os imigrantes do Líbano ao Brasil.

Lá fiz o meu último pedido da jornada pela Saara, uma Kafta de Cordeiro (R$ 26,00). Não é tão fácil encontrar kaftas de cordeiro pelo Rio, onde carne de ovinos é rara. Mais comum são as kaftas de carne de boi e frango.
Servida no espeto, é uma ótima kafta, por um preço justo achei. É um bom restaurante o Sírio Libanês, com atendimento muito gentil.

Memórias do Cedro do Líbano
Esse giro pelos restaurantes libaneses da Saara, no Centro do Rio, teria uma quarta parada, o restaurante Cedro do Líbano, que também ficava na Rua Senhor dos Passos. Muito tradicional, essa casa não resistiu a crise durante o período da pandemia e infelizmente fechou as portas.
Mas fiquei muito feliz em testemunhar que tanto o El-Gebal, quanto a Padaria Bassil e o Sírio Libanês seguem firmes e fortes e com bastante movimento, mantendo a memória da gastronomia árabe viva nessa região tão simbólica do Rio.

História, comida e cultura: a Saara vai muito além das compras
Além dos restaurantes libaneses tradicionais, a região guarda importantes pontos históricos e culturais, como: o Campo de Santana (Praça da República), Igreja de São Gonçalo e São Jorge, Real Gabinete Português de Leitura, Centro Hélio Oiticica, CRAB – Centro de Referência do Artesanato Brasileiro.
E, curiosamente, a Saara quase desapareceu: na década de 1960, havia um plano para demolir a área e abrir uma grande avenida. A associação de comerciantes conseguiu impedir a obra, preservando o casario histórico que vemos hoje.

Mas e quanto a vocês conhecem esses locais da Saara? Deixem aí nos comentários.
Espero que tenham gostado das dicas desses restaurantes libaneses. Quando derem um pulo na Saara não deixe de falar pra mim como foi a experiência no Instagram do Diários Gastronômicos , aqui no blog ou nos comentários do canal no Youtube.
Quem estiver procurando outras dicas de bares e restaurantes no Rio de Janeiro dá um pulo na aba: comer e beber no Rio
El-Gebal
Rua Buenos Aires, 328 – Centro. Rio de Janeiro (RJ).
Horário: segunda à sexta das 7h30m às 18h. Sábado das 7h30 às 14h.
Contatos: (21) 99890-9595
Para saber mais:
instagram.com/elgebal1
elgebal.com.br
Padaria Bassil
Endereço: Rua Senhor dos Passos, 235 – Saara, Centro do Rio. Rio de Janeiro / RJ
Horário: de segunda a sexta das 8h às 18h. Sábado das 8h às 14h.
Contato: (21) 3970-1673 / WhatsApp: (21) 99150-8836
Para saber mais:
instagram.com/padariabassil
Sírio Libanês
Rua Senhor dos Passos, 217 – Centro. Rio de Janeiro / RJ.
Horário: de segunda a sexta das 11h às 16h30m. Sábado das 11h às 15h.
Contatos: (21) 2224-1629 / (21) 97434-3624 (WhatsApp)
Para saber mais:
sirioelibanes.com.br

