A dimensão particular do Restaurante Castelinho

Castelinho, restaurante de bairro, Flamengo, Rua Marquês de Abrantes
Restaurante Castelinho, na Rua Marquês de Abrantes

O RESTAUTANTE CASTELINHO ENCERROU AS ATIVIDADES. O TEXTO FOI MANTIDO COMO REFERÊNCIA DA GASTRONOMIA CARIOCA PARA PESQUISA.

Outro dia dei-me conta de que apesar de ter crescido no bairro do Flamengo e por lá morado a maior parte da minha vida eu nunca antes havia sequer entrado no Castelinho. É um pequeno restaurante da Rua Marquês de Abrantes, conhecido apenas pelo povo da área. 

O Castelinho sempre ficou a sombra de outras casas de peso como o famoso Lamas ou mesmo o boteco Picote. Ambos mais perto da Estação do Metrô. Parece restrito a um público fiel de moradores e ex-moradores entre os quais eu não me incluía até então.

Já tinha ouvido algumas recomendações sobre lá, uma delas, de meu sócio Xaxá, que me falou da boa carne seca servida. Para mim, no entanto, a casa era apenas um letreiro curioso já quase ao chegar a Praia de Botafogo.

De uns tempos para cá, e talvez por ter começado a editar o Diários Gastronômicos, procuro atentar mais a estas simples casas de bairro que na maioria das vezes nos passam despercebidas no dia-a-dia.

Senti um grande desejo de mapear os restaurantes e botequins da região da cidade onde cresci e estudei – ali entre Botafogo, Flamengo, Laranjeiras e Catete. Lugares que por muito tempo escaparam ao meu olhar. Coisa que aos poucos, e com muito prazer, venho realizando.

Pois decidi que já era hora de conhecer este restaurante escondido no grupo de sobrados centenários (mas já descaracterizados) sobreviventes defronte a Rua Clarice Índios do Brasil. Saindo da casa de minha mãe dia desses, e sozinho, resolvi jantar no Castelinho e seguir a recomendação do Xaxá pela carne seca.

Restaurante Castelinho Flamengo
A casa fica escondida nos sobrados do final da Rua Marquês de Abrantes
Restaurante de bairro

O letreiro exibe o nome do estabelecimento na cor vermelha e estampa ao lado um castelo azul. Parecido com um brinquedo de montar, em madeira, que eu tinha quando era criança. Talvez por isso eu sempre tenha gostado dele.

Abaixo do letreiro fica a entrada da casa, toda em vidro. É possível ver as pessoas comendo lá dentro, a partir do outro lado da rua. Era uma quinta à noite, por volta das 21 horas. Apesar do horário e do dia, o pequeno salão estava quase vazio.

O Castelinho tem um tamanho que eu gosto: poucas mesas, mas com bom espaço entre elas. Dá uma sensação de aconchego, mas sem aperto.  Apesar da porta toda em vidro fazer uma conexão visual com a rua, quando estamos no salão interno, parece que abandonamos o mundo exterior para uma mini dimensão particular.

Queria me isolar nos fundos e peguei uma mesa de quatro lugares toda para mim, um pouco afastada de umas senhoras que jantavam na parte da frente e de outro casal a comer perto do balcão de serviço.

Dei um pouco de azar. Havia uma mosca me esperando na cadeira e ela cismou em me acompanhar por todo o tempo em que lá fiquei. Como se tivesse apaixonada, não quis desgrudar de mim. Também, justo ao sentar, a mesa bem a minha frente foi ocupada por um grupo de três jovens mulheres e um coroa que engrenaram num papo a altos decibéis.

Restaurante Castelinho Flamengo
Torradinhas finas e crocantes acompanhadas de manteiga deram o início a conversa
Singela casa e chope bem jeitoso

Meu objetivo era tirar a solidão para analisar um pouco a casa, porém acabei sem querer dando muita atenção ao papo da mesa vizinha. Não foi culpa minha, nem quis ser enxerido, mas a galera lá parecia gostar de dividir com todos os presentes a sua conversa.

Tentei abstrair a fofoca e pus-me a ler o cardápio. Apesar da recomendação do Xaxá, achei que uma porção de carne seca seria exagerada só para mim. Ainda mais quando o garçom me trouxe uma cesta de finas e crocantes torradas acompanhada de manteiga. Decidi dar um tempo e tomar uns dois chopes antes de escolher a comida. Ademais, aquele simples couvert estava ótimo para o início de conversa.

Não esperava muita coisa do chope, mas fiquei positivamente surpreso assim que tomei os primeiros goles. Ele me foi bem apresentado, com o colarinho na medida certa e sem nenhuma bolinha a escapar no fundo do copo. Não foi o melhor chope que bebi na vida, mas posso dizer que é bem jeitoso.

Sincretismos gastronômicos

Conforme ia tomando os jeitosos chopes, trocava uma ideia com o garçom Márcio. Muito atencioso, ele sempre me trazia uma nova e bem apresentada rodada. Os donos atuais do Castelinho são cearenses e compraram a casa há uns quinze anos, de sócios portugueses. Em determinado momento da história do Rio, os portugueses foram deixando o comércio e os cearenses ocupando o seu lugar.

Uma característica que verifico nos estabelecimentos tocados por cearenses é que geralmente eles aproveitam em parte o cardápio já estabelecido, mas são bastante abertos a ideias, não tendo muito pudor em manter tradições ou incluir necessariamente referências a terra natal.

No caso do Castelinho, a sardinha continua a se fazer presente, mas há tempos a casa deixou de ser genuinamente portuguesa para virar uma mistura de influências (como um típico botequim carioca dos dias atuais). Entrou a carne seca e os pratos com tutu – uma coisa de Minas – os croquetes de carne (nova febre na cidade) e as pizzas.

Olhares atentos, no entanto, hão de reparar que a carga portuguesa ainda tem um peso naquele pequeno e simples castelo. Os pratos de bacalhau têm destaque e há outros como a Lula à espanhola que poderiam me levar a concluir que possivelmente existiu, também, um dedo galego por ali.

Lula à Espanhola

Como quase sempre eu faço, dispensei as dicas certeiras e os pratos sem erro e arriscar algo mais complicado. A Lula à Espanhola foi irresistível, ainda mais pelo preço de R$ 25,00 para uma pessoa. Barato para uma cidade inflacionada como o Rio. Estava desconfiado, mas senti-me mais seguro em pedir ao verificar a quantidade de pratos de peixes e frutos do mar no cardápio.

Sempre pergunto para o garçom sobre um prato antes de pedir. “A lula é fresca?” É claro que ele pode mentir. Mas porque faria isso? Afinal, se eu achasse que estava sendo enganado, jamais voltaria a colocar os pés lá. Por isso confio e, além disso, tenho alguma sensibilidade para saber quando um garçom está sendo ou não sincero e o Márcio estava.

Evitei exagerar nas torradas para não perder a fome. Sorte que o pedido não demorou a chegar. Logo toda a minha atenção se voltou a ele, que pousou fumegante em uma travessa de cerâmica. Era uma Lula a espanhola à la Castelinho com pimentões e azeitonas verdes e muita batata. Pelo preço, valeu.

Afinal de contas, o realmente importante, a lula, estava macia, gostosa e vinha em boa quantidade. Poderia dizer que, para devoradores de batata, o prato até daria para duas pessoas, com uma entrada. Dispensei o tubérculo e me concentrei no molusco. Ainda aproveitei as torradinhas crocantes do couvert para mergulhá-las no molho do prato, que estava muito bom.

Restaurante Castelinho Flamengo
O prato de Lula à Espanhola à la Castelinho chega fumegante a mesa
Uma reforma seria bem vinda

O Castelinho merecia uma reforma, ao menos uma maquiada. É um lugar bastante singelo, que poderia espantar quem não costuma frequentar velhos restaurantes de bairro. Tem certo ar de largado que não agradaria ao público mais chegado a lugares limpinhos, clarinhos, cheirosos e bonitinhos. A única coisa que me incomodou naquela noite foi a tal mosca apaixonada. No resto estava ok.

Certo momento a curiosidade pelo papo alheio virou incômodo. Os altos decibéis da conversa vizinha, mesclados com uma telenovela a volume baixo no aparelho LCD e somado a mosca a pousar na borda de minha tulipa de chope estavam desagradáveis.

O grupo ao lado, após devorar uma porção de doze croquetes de carne, já partia para duas pizzas à francesa tamanho família (só não me lembro o sabor). Mesmo comendo tanto, não paravam de falar.

Não demorei a dar conta da lula. Depois foi pedir mais um chope para sentir-me satisfeito e encerrar o expediente no castelo. Com o prato, uma água, todos os chopes tomados e mais o serviço paguei 45 reais. Um pouco mais do que num restaurante a quilo razoável do Centro da Cidade onde um homem com a minha disposição gasta fácil mais de trinta (sem a bebida, é bom frisar).

Paguei a conta, despedi-me do Márcio, tentei matar a mosca uma última vez (sem sucesso), cruzei com certo ar blasé a mesa em frente e atravessei a porta de vidro para o mundo exterior. Saí com vontade de voltar outra vez ao Castelinho. 

Mais do que pela comida honesta e o chope jeitoso, talvez também por seu clima interessante e confortável de restaurante de bairro.  Sua dimensão particular. Vou retornar para provar a carne seca.

O RESTAUTANTE CASTELINHO ENCERROU AS ATIVIDADES. O TEXTO FOI MANTIDO COMO REFERÊNCIA DA GASTRONOMIA CARIOCA PARA PESQUISA.

Restaurante Castelinho

Endereço: Rua Marquês de Abrantes 203 – Flamengo.

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