Dentro do conjunto de estrelas do bar Enchendo Linguiça estão, é claro, as próprias linguiças. Sabem do que mais? Elas são fabricadas ali mesmo, no segundo andar daquela casa de esquina. Onde mais eu poderia comer um embutido que acabou de sair da fábrica?
Dá pra ver as compridas peças de linguiça, recém saídas da manufatura, penduradas e exibidas dentro da geladeira através de um imenso vidro no alto do bar. Mas não é só isso.
Joelhos de porco na vitrine
Utilizando-se de algo semelhante aos fornos de assar frango, desses comuns nas padarias do Rio de Janeiro, os sócios e irmãos Cláudio e Fernando decidiram deixar as voadoras de lado e dar outra utilidade a engenhoca: assar joelhos de porco.
“Porque nunca pensaram em fazer isso no Rio!” me veio o questionamento assim que meu olhar fixou-se na vitrine de cachorro logo na entrada do botequim. Pois bem, para o bem da comunidade carioca, essas duas almas iluminadas não só pensaram como realizaram.
Não é uma ideia nova lá fora, pois como revelam os próprios sócios da casa, eles se inspiraram em assadeiras de joelhos que viram em uma viagem a Alemanha. Eu mesmo já havia testemunhado algo parecido em Paris, onde é comum encontrar fornos verticais assando leitões inteiros.
Mas a Alemanha e a França estão muito longe da minha casa. Já o simpático bairro do Grajaú é logo ali. O maravilhoso forno de joelhos de porco, no entanto, é só um dos muitos gordos detalhes dessa casa feita para quem não aguenta dieta.
Nova geração de botecos cariocas
Não preciso ir mais longe para demonstrar o quanto esta casa é original. Faz parte, em minha opinião, de um grupo de estabelecimentos que vem revolucionando há alguns anos o mercado de botequins do Rio de Janeiro.
Todos, é importante frisar, ficam fora da Zona Sul da cidade. Entre eles eu posso citar o Aconchego Carioca na Praça da Bandeira, o tijucano Da Gema, o Original do Brás em Brás de Pina e a Petisqueira Martinho, na Ilha do Governador (esses dois últimos eu ainda hei de conhecer e escrever sobre).
Voltei para mesa e contei as novidades aos presentes. Falei do forno com uma alegria infantil. Meu amigo Guguta, no entanto, já tinha paralisado ao espiar o prato de um casal ao lado: um dos joelhos servidos numa grande tigela. Era uma coisa bela e assustadora. “Vou ter que comer isso”, me disse com um brilho no olhar. “Nós vamos!” Respondi em seguida.
Fábrica de linguiças
Antes do joelho, porém, haviam os embutidos de entrada. Afinal, aquela era uma fábrica de linguiças e tínhamos de provar, ao menos, umas duas qualidades. Três, na verdade.
Lá estava essa ótima opção no cardápio. Pupurri de Linguiças, sempre com três opções do dia (os sabores variam de acordo com a produção diária). Naquela tarde de sábado: Linguiça Calabresa, Linguiça Pura de Pernil e Linguiça Super Calabresa (essa última uma versão mais picante da irmã). Para acompanhar, solicitamos uma farofinha e molho a campanha. Além de uma cesta de pão de alho.
Enquanto o Pupurri não vinha, decidi tapear a imensa fome com um caldinho de feijão e um chope. O Caldinho Enchendo Linguiça vem munido, além do feijão, de purê de aipim e calabresa e tem um tamanho honesto para os nove reais cobrados. O mais importante: é bem temperado. É como eu sempre digo, uma casa com o feijão bem temperado é sinal de que a cozinha é das boas.
Pensei em pedir uma cachaça para acompanhar o caldo. Há pouco mais de uma dezena de rótulos em oferta no cardápio, entre eles a sempre boa Germana. Mas segurei a onda e fiquei na cerveja. Quer dizer, tentei o chope, mas não me agradou. O lance mesmo é pedir a ampola, que vem geladíssima. Com brasileiro é assim, faça calor ou frio, a cerveja tem que ser sempre gelada.
Grajaú
O outono estava frio no Rio e não foi diferente aquele dia no Grajaú. Uma fina chuva não chegou a estragar o nosso programa, nem espantar a clientela que disputava as mesas debaixo do toldo o no ambiente interno da casa. Mal parou o chuvisco e o povo pôs-se a espalhar-se no larguinho defronte ao botequim, no inicio da arborizada Avenida Engenheiro Richard.
Demoramos uns cinco minutos para arrumar uma mesa e demos sorte de chegar logo no encerramento dos serviços em uma oficina ao lado do bar. Depois que as portas da mecânica são abaixadas, os garçons do Enchendo Linguiça rapidamente ocupam as calçadas em frente montando mais mesas.
São muitas mesas e mesmo assim não parecem suficientes para atender ao público sedento pelos embutidos e joelhos de porco. É ótimo ver essa iguaria se popularizar. Apesar de ser um prato tradicional no Rio de Janeiro (pela influência da culinária de origem germânica na cidade) o joelho de porco restringia-se apenas as casas de comida típica. Agora não mais.
Pupurri de linguiças
Pouco depois de eu lamber o resto de caldo de feijão em minha tigela o pupurri foi trazido, bem apresentado e acompanhado de uma grande quantidade de pães de alho, farofa e o molho a campanha.
Para nossa surpresa, aquele pão todo já fazia parte do pedido. Ou seja, a tal porção de pães que solicitamos além, vieram logo em seguida. Não havia espaço na mesa para tanto pão. Fome e pão de alho é uma combinação perigosa.
Gostei de todas as três qualidades de linguiça do pedido e achei o preço de R$ 25,60, muito justo pelo tamanho da opção. A Super Calabresa é para quem curte um ardido, como eu. O que mais eu admirei, no entanto, foi o ótimo balanço entre gordura e carne. Nenhuma das linguiças era pesada, de modo que dá para beliscá-las indefinidamente por uma tarde inteira.
Pecamos pelo excesso de pão e logo viríamos a pecar pela gula do beliscar eterno. Deveria ter me concentrado no fundamental: o caldinho de feijão, as três linguiças de entrada e finalmente o joelho de porco.
No entanto, enchemos o bucho de pão de alho e a fome era um sentimento cada vez mais distante no passar daquela tarde.
Linguiça de Cordeiro
Já não tenho todo esse apetite de tempos atrás, mas fui seduzido naquele momento por mais uma linguiça, a sempre irresistível de cordeiro. Em qualquer lugar que haja uma linguiça de cordeiro podem estar certos de que eu farei um esforço para prová-la.
Porém, petiscar o embutido de cordeiro aquela tarde significaria abdicar do joelho de porco. Eu sabia deste risco, mas fingi que era capaz de atender as demandas de meu desejo, esticando meu espaço estomacal. Não fui.
Assim, após o festival de pão de alho, do caldinho e do Pupurri, solicitamos a Linguiça de Cordeiro (R$ 35,90 a porção). Uma grande nave espacial, então, logo pousou em nossa mesa trazendo mais uma montanha de pão de alho e uma travessa cheia de pedaços de linguiça. Estava excelente!
Mais uma vez comprovei o equilíbrio do embutido. O sabor é suave e não enjoa. Mas achar que era possível comer qualquer outra coisa depois de um petisco como aquele era demais! Ainda mais pensar ser possível devorar um joelho de porco a pururuca.
Doce ilusão de meu querer. Olha que eu ainda cogitei a possibilidade de pedir outro petisco no cardápio ( antes de partir para o joelho) chamado Das Tripas Coração (Linguiça de frango com coração de frango servida com polenta frita, ovos de codorna e um molho de maionese Hellmann’s com rúcula). Uma bomba nuclear! A rúcula aí é só para preencher a cota verde.
Linguiça Croc, o ponto final
Determinado ponto, quase no finalizar da Linguiça de Cordeiro, tive de admitir para o Guguta que não era mais possível pedir o Joelho… Fui punido pela minha própria gula e acabei não comendo justamente a coisa que mais me encantou aquela tarde. Por outro lado, gostei tanto do botequim e de todo o comido, que decidi tratá-lo como fosse um filme em série no qual o desfecho fica para o capítulo seguinte.
Mas não pensem que a jornada acabou no cordeiro… Já nos créditos, no acender das luzes dos postes da rua, no acertar de contas, ainda ganhamos da casa uma pequena porção de Linguiça Croc (Linguiças envolvidas em batatas chips e fritas).
O prato, uma gostosura ilícita, foi criado para o festival Comida de Buteco 2009, tendo ficado em terceiro lugar no concurso aquele ano.
Enchendo Linguiça
Endereço: Av. Eng. Richard, 02 Loja A – Grajaú. Rio de Janeiro / RJ
Horário: Terça a quinta das 11h às 00h. Sexta a sábado das 11h às 01h.
Contato: (21) 2576-5727 / bar@enchendolinguica.com.br
Para saber mais:
instagram.com/enchendolinguica
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