Restaurante 28, um histórico lugar para um ávido arqueólogo de botequins

Cafe e Bar Pastoria, restaurante 28, Gamboa, Rio de Janeiro, botequim tombado
Restaurante 28, um histórico lugar para um ávido arqueólogo de botequins

O RESTAURANTE 28, APESAR DO TOMBAMENTO, FECHOU AS PORTAS, INFELIZMENTE – O TEXTO FOI MANTIDO COMO REFERÊNCIA HISTÓRICA E PESQUISA

Enquanto todos ansiavam por fugir da região central, lá estava eu caminhando contra o fluxo, para almoçar no Restaurante 28, na Gamboa. Trata-se do último dos botequins tombados pela prefeitura do Rio que faltava para eu registrar por aqui.

Minha passagem pelo Rio de Janeiro para visitar a família e os amigos no final de semana do Natal foi uma ótima oportunidade para eu cumprir com essa falha no currículo de lugares históricos do Diários Gastronômicos.

Restaurante e Café Pastoria

Na verdade o nome do estabelecimento é Restaurante e Café Pastoria, mas a maioria dos clientes o conhecem apenas como 28, o número do endereço na Rua Barão de São Félix.

Fica bem próximo a Praça dos Estivadores, um canto tão cheio de imóveis históricos relevantes, mas até pouco tempo completamente esquecido pelo Poder Público e pelos cariocas. A não ser pelos que trabalham por volta, os amantes de bares antigos, ou os que gostam de se embrenhar nesse pedaço de cidade, sabendo apreciá-lo mesmo estando degradado.

Restaurante 28
O ambiente é de uma singeleza que pode incomodar aos que tem um olhar superficial
Restaurante 28
A velha máquina registradora está entre os detalhes que merecem apreciação

Aos poucos a situação ali vai mudando e certamente tudo ficará diferente com o mega projeto do Porto Maravilha. Espero que o mobiliário e parte do comércio tradicional seja mantido, mas nunca dá para saber. Ao menos a própria prefeitura tombou o Café Pastoria, o que deve atrair um novo público para casa, possibilitando sua manutenção por mais muitos e muitos anos.

Conhecido pelo cabrito

Eu já conhecia o Restaurante 28 de uma passagem há uns anos com meu sócio Xaxá. Nosso almoço valeu elogios ao cabrito, prato pela qual a casa é conhecida. A principal mudança entre aquela vez e esta última, foi o ar-condicionado. Muito bem vindo, pois é difícil aguentar o calor dos verões cariocas. Tinha combinado com meu irmão Tavo por volta das 15h, mas ele infelizmente não pode estar presente para curtir o lugar.

Restaurante 28
No alto da estante a imagem de São Jorge, comum em muitos botequins do Rio
Restaurante 28
Garrafas de vinho na estante: o mobiliário é bastante antigo e merece uma reforma

Cheguei discretamente sentando junto à parede e suficientemente distante de uma enorme mesa de alegres executivos comemorando o último dia de trabalho do ano. Sorte que logo eles se mandaram. Queria escutar um pouco apenas o movimento lento dos garçons atendendo o restante da clientela, poucas mesas, quase em silêncio como eu. Cada uma com seu próprio prato do dia.

Sua bela singeleza

O ambiente é de uma singeleza que pode incomodar aos que tem um olhar superficial. O lugar é muito bonito e está bem preservado, apesar de maltratado pelo tempo. Tem um aspecto de velho que não é para todos os gostos. Eu adoro.

Não sei ao certo, ou mesmo não encontrei informação sobre a idade do restaurante. O sobrado parece ser do final do século XIX. A família que toca o negócio está por ali desde os anos 50, mesma época que me parece ter sido colocado o atual e belo balcão.

Restaurante 28
O grande prato de Polvo à Portuguesa. A porção que dá para duas pessoas custa R$ 39,00
Restaurante 28
Difícil ver um prato com polvo tão grande, ainda mais pelo preço cobrado

Por trás do balcão é possível reparar a máquina registradora e a estante de madeira, que pediriam uma pequena reforma. Em cima da estante,  a figura de São Jorge – muito comum em botequins e botecos da cidade.

O chão de ladrilhos está impecável. As mesas de madeira, com cadeiras típicas de bares e restaurantes cariocas da segunda metade do século XX, são cobertas de panos azuis, um pouco surrados. Panos verdes cobrem os encostos das cadeiras.

Um velho ventilador de teto já sem uso jaz por cima de nossas cabeças bem cerca de um antigo lustre para lâmpadas fluorescente. O lugar reúne uma série de peças curiosas e bastante atraentes para os fãs de antiguidades. Uma preciosidade em particular é o antigo cartaz de tabela de preços indicando produtos que eu nunca ouvi falar como Achamapanhada, T.A.B e Gracola.

Velhos garçons

Com um pouco de dificuldade no caminhar o garçom veio me atender. Seu nome é Izaias, já um senhor, que como eu supus, trabalha na casa há muitos anos. Meu objetivo naquele almoço era voltar a comer o cabrito, que logo enxerguei no cardápio.

Mas primeiro achei que poderia ser um exagero só para mim (os pratos por ali são fartos). Segundo, vi que tinha Polvo a Portuguesa como um dos pratos indicados do dia. Eu tenho um problema sério com polvo. É difícil me livrar dele quando ele cisma em aparecer nos cardápios da vida.

Restaurante 28
Seu Armandio, o simpático senhor português tem orgulho de sua casa. Tem razão de ter
Restaurante 28
Entre os objetos curiosos que valem uma atenção está um antigo cartaz de produtos

Decidi esperar um pouco para escolher e não tinha mesmo a menor presa. Pedi uma ampola de Bohemia e ali fiquei durante um tempo a sacar fotos como se fosse um turista. A admirar os detalhes daquele histórico lugar como um ávido arqueólogo de botequins, ou simplesmente a revisar os pratos do cardápio, a ver se desembaraçava minhas dúvidas.

Certa hora a vontade fisiológica se fez urgente. Tive que me dirigir ao banheiro, que fica lá nos fundos – literalmente nos fundos – do estabelecimento. Há uma pequena portinhola para o xixi masculino, lá no escafundó do sobrado, onde o céu é azul e o sol bate forte na careca.

O polvo na cozinha

Para tanto temos de cruzar com a cozinha. Essa é a parte que mais gosto. Na volta, já aliviado e pronto para encher novamente a bexiga, tomei a liberdade de espiar o que estava ocorrendo na área dos preparos culinários.

Escutei um barulho forte, como se algum pedaço de carne animal estivesse sendo estraçalhada por um cutelo. Ou simplesmente a cozinheira, quem sabe, estivesse pronta para arrancar minha cabeça fora. “Que faz aqui invasor!”.

Havia de fato um cutelo e também uma cozinheira, mas esta era muito simpática e sorridente e estava era a cortar pedaços de um enorme polvo! Meus olhos arregalaram. Não resisti: “Como está o bicho?”. Perguntei intrometido. “Chegou hoje”, ela me respondeu. Estava realmente lindo o molusco. Voltei para a mesa.

Restaurante 28
As mesas de madeira com panos em azul um pouco surrados são outros sinais da idade
Restaurante 28
Um botequim fantástico, até então pouco conhecido
Polvo a Portuguesa

Abri novamente o cardápio, conversei um pouco com Izaías e fiz minha escolha: Polvo a Portuguesa. Segui a dar meus goles cervejeiros e bati um papo com Armandio, um simpático senhor português e comandante da casa.  Ele abriu um grande sorriso quando falou sobre o tombamento da Prefeitura e me mostrou à placa indicativa.

Mais feliz ainda ficou a me dizer que o Restaurante e Café Pastoria saiu num documentário da rede de televisão portuguesa RTP. Armandio, ao contrário de alguns donos de botequins cariocas, parece gostar mesmo do reconhecimento. Sabe que sua casa merece mesmo toda atenção. Até sua fotografia aceitou que eu tirasse.

Não muito tempo depois meu polvo foi trazido à mesa por Izaías. Já comi Polvo em uma dezena de restaurantes no Rio de Janeiro e posso dizer com certeza aquele ali foi um dos mais bonitos e grandes que eu já presenciei num prato. Se estivéssemos no mundo dos moluscos, certamente este indivíduo (pronto para ser devorado por mim) seria capa de revista.

Eu acertei em cheio em meu pedido, não só porque o prato estava belíssimo e o polvo macio e gostoso, mas também porque foi uma opção leve num dia de fortíssimo calor no Rio de Janeiro. Ainda mais considerando que aquele almoço seria somente a entrada para uma longa jornada pré-natalina.

Para acompanhar o polvo o prato veio servido de brócolis, cebola, batatas, alho e ovo. Tudo cozido, bem simples e fantástico.

Preço pra um, porção de dois

É certo que a porção daria para duas pessoas e por isso o preço de R$ 39,00 me pareceu uma pechincha em comparação ao que se cobra no Rio por um prato de polvo. Dei especial atenção ao grande molusco. Dali não sobraria nenhum tentáculo.

Conforme ia devorando o bicho perna por perna, adicionava os vegetais, sempre regando tudo com muito azeite. Fiquei quase vinte e cinco minutos nesta brincadeira. Não é todo dia que um adorador de polvo tem um prato como aquele todinho para si. Não dei conta nem da metade da porção de legumes, mas o resto foi tudo – com esforço e exagero.

O Restaurante 28 mereceria mais páginas e páginas de texto, porém havia chegado à minha hora. O dia calorento de sexta-feira seria bem longo para mim e dali ainda ia encontrar meu irmão em outro clássico do Rio, o Bar Luiz para depois seguir a Santa Teresa matar a saudade dos amigos.

Estou certo de que em parte o que preservou o Café Pastoria foi estar ali escondido, acessível somente a um público fiel e atento. Agora talvez seja necessário realmente revelar esta casa, apesar de que como em outros lugares, a tendência do reconhecimento é o encarecimento do cardápio e a descaracterização dos costumes.

Bom, por enquanto tudo está lá como sempre foi, um pedaço de um Rio antigo, nos costumes, na gente e na arquitetura e nos preços também. Vale a pena o programa em todos os sentidos. É um grande lugar.

Restaurante 28 (Restaurante e Café Pastoria)

Endereço: Rua Barão de São Félix, 28 – Saúde. Rio de Janeiro (RJ).

RESTAURANTE FECHADO – TEXTO MANTIDO COMO REFERÊNCIA, PARA PESQUISA HISTÓRICA DA GASTRONOMIA CARIOCA

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3 Comments on “Restaurante 28, um histórico lugar para um ávido arqueólogo de botequins”

    1. Olá Lica. Tudo bem?

      Que bom que gostou do texto, fico realmente feliz e lisonjeado. Depois quero saber como foi o seu almoço lá no Restaurante 28. Vou deixar registrado aqui.
      Em relação as atualizações, é realmente muito bacana que você queira recebê-las. No entanto, no momento nós não estamos cadastrando e-mails para recebimento automático de textos. Isto se deve ao fato de que eu geralmente faço alguns revisões tanto no texto, quanto de imagens, mesmo depois dos posts publicados. Como você pode perceber, o trabalho aqui se reduz a duas pessoas, eu e o Thiago – que edita a seção “descontos”. É difícil arrumar tempo para fazer tudo, então muitas vezes vamos publicando e revisando ao mesmo tempo. Desta forma, eu prefiro não enviar os textos publicados de forma automática, para que os leitores cadastrados não fiquem com a primeira versão. Bom, o que posso sugerir é que coloque o Diários Gastronômicos entre os seus sites favoritos. Será um grande prazer!

      É bom tê-la por aqui. Espero que apareça sempre. Seus comentários serão bem vindos, a começar pelo Restaurante 28.

      Um abraço,

      Dé Comber

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