Depois de vinte minutos sentado e após tomar dois chopes cremosos, primorosamente servidos, tuitei: “Acho que acabei de descobrir um dos meus bares prediletos em São Paulo”. Sou um botequineiro romântico e acredito em amor a primeira vista por botequins. Assim foi com o Tiro Liro.
Mas não é um sentimento inexplicável, atoa como uma paixão juvenil, que acaba logo em seguida, no chope seguinte. No pouco tempo por ali já me sentia aconchegado, como se num lugar que frequentasse há tempos.
Nasceu de um antiga mercearia
Uma antiga mercearia decadente de um português comprada e transformada. É um roteiro já batido por ai, mas no caso do Tiro Liro, em minha opinião, tem outros contornos.
Os criadores do bar, os simpáticos irmãos Toninho e Sérgio, eram fregueses da mercearia. Eles souberam como poucos construir um bar fantástico sem deixar de levar em conta a alma daquele sobrado na esquina da Rua Cotoxó e Rua Cajaíba.
Toninho e Sérgio têm sangue de comerciantes portugueses, pois o pai deles foi dono do restaurante Cruzeiro, na Luz. Eles mesmos tocaram por anos outro botequim da Pompéia, o clássico Pé Pra Fora. Atualmente também estão a frente do restaurante Dona Felicidade (nome em homenagem a mãe, Felicidade).
Os dois irmãos têm a experiência necessária para montar a casa interessante que é o Tiro Liro. Fruto dessa convivência como clientes e adoradores da mercearia portuguesa, bem como no comércio do pai e por anos no comando de um botequim.
Tive a oportunidade de conversar com Gilmar, antigo cliente do lugar, ainda nos tempos em que o estabelecimento era uma mercearia.
Gilmar disse que a princípio ficou desconfiado quando os irmãos Toninho e Serginho resolveram comprar a velha mercearia, suspeitando que eles fossem transformar o local num bar a la Vila Madalena.
Logo a desconfiança foi dissipada quando viu que a reforma passou longe do estilo padronizado dos bares pé-limpos de São Paulo. O Tiro Liro tem personalidade.
Um bar com alma
O toque pessoal dos irmãos – que dá a sensação aconchegante e familiar a casa – tem como marca mais curiosa a grande e bonita estante de madeira, datada do final do século XIX, atrás do balcão.
Ficou tão perfeita ali que eu cheguei a imaginar que se tratava de mobília original do velho armazém. “A mercearia estava muito detonada” me revelou Serginho, dizendo, ainda, que não deu para aproveitar muita coisa, a não ser o belo piso de azulejos hidráulicos. Então de onde surgiu aquela estante?
“É de uma antiga biblioteca” me respondeu o proprietário, enquanto ajudava no serviço. Não poderia haver destino mais nobre para uma estante de biblioteca. No fundo é um retorno ao berço da criação literária, que é o botequim. Fantástico!
Para completar, o próprio balcão – um ótimo trabalho de marcenaria – também combinou muito bem com o lugar, dando ao espaço uma cara de barzão elegante.
O Tiro Liro está numa categoria muito específica de bar. Carrega um misto do espírito das velhas uisquerias comuns no Rio e em São Paulo nos anos 50 e 60. O bar tem um excelente cardápio de uísques, que incluem alguns single maltes.
Por outro lado tem o tempero de mercearia portuguesa, bar chique e clima de botequim. Mais legal ainda é que no meio disso tudo, as caixas de som ainda jorram clássicos do rock and roll. A um volume bem equalizado, criando um ambiente inusitado e muito bacana.
Petiscos interessantes e acepipes no balcão
Da primeira vez que estive por lá, como fui sozinho, eu resolvi me ater ao petisco que estava concorrendo no concurso Comida di Buteco 2012, muito tentador, o Bacaninho (R$ 15,00). É uma cestinha de parmesão com batata, recheada com lombo de bacalhau e puxada no azeite e alho. Muito bom!
Num dos cantos do balcão fica o setor acepipes, uma tradição comum em bares paulistanos. Os petiscos servidos em porções por peso aos clientes, no caso do Tiro Liro, revela claramente uma mistura entre diferentes culturas gastronômicas como a portuguesa e a italiana. A herança dos diferentes grupos de imigrantes que construíram a cidade.
Como eu disse no início do texto, me apaixonei a primeira vista pela casa e logo eu estava de volta, desta vez em companhia de minha esposa. Com ela, então, pude explorar algumas das iguarias dispostas nas vasilhas do setor de acepipes.
Bolinho de arroz
Silvia resgatou umas fatias de pancetta, berinjelas em conserva e umas maravilhosas pastas de bacalhau e alichela. Depois partimos para uma porção de bolinhos de arroz.
Eu não sou muito chegado em bolinhos de arroz e confesso que de início até não concordei com o pedido, mas vamos lá. Ainda bem que fomos. Foram servidos seis grandes bolinhos. Não poderia supor que daríamos cabo de mais de um daqueles, mas logo já tínhamos devorado tudo.
O petisco é bem leve e como disse a Silvia (que adora este tipo de bolinho): “Tem arroz de verdade dentro”. Em nada se assemelha com as maçarocas de arroz que geralmente se serve por aí. Muito interessante.
Rosbife do Ademir
Bom, após várias rodadas do excelente chope da casa e tantos petiscos consegui reservar no estômago um espaço especial para um dos mais famosos pedidos do bar: o rosbife do Ademir.
Ademir é o barman gente boa da casa. Antes mesmo de vir trabalhar no Tiro Liro já servia a célebre porção de rosbife em outro bar paulistano, o Bar do Alemão (conhecido pelas rodas de choro e samba).
Ele mesmo fez questão de preparar uma meia porção para nós e eu não demorei a entender porque o petisco é tão famoso. São finíssimas fatias de lagarto redondo no ponto certo, o miolo cru e a parte de fora cozida. Uma imagem belíssima. Com o molhinho especial de receita secreta, que leva mostarda escura, a carne ficou perfeita.
Acho que realmente descobri um dos meus bares prediletos em São Paulo.
Tiro Liro Bar
Endereço: Rua Cotoxó, 1185 – Perdizes / Pompéia. São Paulo (SP).
Horário: de segunda a sexta das 17h as 00h. Sábado das 11h30m às 18h.
Contatos: (11) 3868-3551
Para saber mais:
instagram.com/tirolirobar
tirolirobar.com.br
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