O tombamento dos botequins cariocas

O I Seminário Internacional de Bar Tradicional, realizado no clube Estudantina, no Rio de Janeiro, é uma iniciativa louvável com o apoio da Prefeitura da Cidade para discutir formas de garantir a sobrevivência do mercado de botequins cariocas.

É a conquista da atenção e respeito que este típico estabelecimento comercial do Rio merece. Paralelo ao seminário, a Prefeitura também publicou decreto no Diário Oficial declarando Patrimônio Cultural da Cidade uma série de botequins clássicos. Outra atitude que merece aplausos e que muito eu já debati no Diários Gastronômicos.

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Bar Luiz, um dos clássicos cariocas tombados pela Prefeitura

Não há muito tempo eu publiquei um texto sobre o Garoto das Flores, um lindo botequim no Centro da Cidade fechado há alguns anos atrás. Muitos outros clássicos baixaram as portas como o Penafiel na Saara e o Penafiel da Gamboa.

Como bem disse o Paulo Thiago de Mello, um amante de botequins como eu em texto para o jornal O Globo: “Com elas perde-se um pouco da memória gastronômica e o jeito de boemia. Daí a urgência em preservá-las”. Caderno Rio – 5 de dezembro de 2011. Thiago é autor das primeiras edições do guia que deu a volta por cima no mercado, o Rio Botequim.

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Armazém São Thiago: um belíssimo exemplar de típico armazém da cidade de influência espanhola
A importância dos botequins

Os botequins têm uma enorme importância e significado não só dentro da gastronomia carioca, mas para a própria cultura da cidade. Esta dimensão só foi enxergada após o lançamento do Guia e de uma retomada do Rio de uns 10 anos para cá.

O próprio mercado viu o potencial de ganho em cima da imagem do que seria o ‘espírito’ de um botequim carioca. Esse espírito foi explorado sabiamente pelos paulistanos. Em cima de um modelo clássico desenvolveram o conceito de botequim de grife. É o caso do Pirajá e que posteriormente foi importado pelos cariocas em redes como o Boteco Belmont.

Para um frequentador habitual, a fama dos botequins tem até sido prejudicial. Os preços das porções e da bebida subiu e as mesas começaram a ser disputadíssimas. Seja por turistas ou cariocas que antes ignoravam esses ambientes.

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A Casa Paladino, lindo armazém que segue no mesmo lugar do Centro a mais de cem anos

O que era um programa barato e restrito a um público de bairro, de rua, tornou-se uma opção cara. Muitas vezes desconfortável do ponto de vista da espera por mesa etc.

A descoberta dos botequins

Se por um lado isso ocorre, por outro talvez seja a única forma de se preservar o que restou do patrimônio botequinesco da cidade do Rio. É o preço que se paga pelo reconhecimento.

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Adega Pérola: o maravilhoso balcão de petisco, por si só, já vale o tombamento

Até que ponto esta invasão a espaços antes restritos a um tipo de público dissipam o ‘espírito’ do botequim carioca? Eu não tenho a resposta. Mas um exemplo é o Pavão Azul em Copacabana. Tem andado lotado de uma gente que antes não o frequentava.

O que sinto no Rio é uma espécie de caça ao botequim perdido. Os cariocas amantes de botequins tem se embrenhado cada vez mais nos confins da cidade em busca de um botequim. Aquele que mantêm a tal áurea intocada, imaculada.

O boteco de bairro restrito aos moradores ao redor. Com seu serviço pessoal, muitos sem mesmo contar com cardápio.

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Bar Lagoa: estilo art deco e ótima comida alemã em mais um clássico do Rio

Entre as discussões do Seminário estão à definição do que seria, afinal, o botequim carioca. Também sempre defendi que se chegasse a um consenso base. Existem, de fato, diversas características que diferem um botequim do Rio de qualquer outro bar no Brasil.

O jeito carioca de ser

É possível encontrar casas com características muito semelhantes em outras capitais como Recife, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo. Nenhuma, porém, tem o elemento primordial do botequim do Rio: o próprio jeito carioca de ser e levar a vida.

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Bastião da boemia da Lapa, o Nova Capela segue agradando novas gerações com seu cabrito

No entanto, não concordo que o botequim deva ser algo intocável, pois para mim está no próprio espírito deste espaço a flexibilidade existencial.

Além do que, ao longo do século XX, os botequins evoluíram e assim devem seguir evoluindo junto com a cidade e com o desejo das novas gerações de cariocas.

Concordo, no entanto, com o tombamento de alguns exemplares, para que se preserve ao futuro um pouco do que o Rio foi no passado.

De uma maneira ou outra, toda a discussão em cima dos botequins e, também, sobre a típica gastronomia carioca já é fundamental para a preservação desta cultura e já vale mais do que um tombamento oficial.

Bares tombados pela Prefeitura: Café e Restaurante Lamas, Bar Luiz, Nova Capela, Restaurante 28, Casa Padadino, Adega Flor de Coimbra, Armazém Senado, Bar Brasil, Bar Lagoa, Cosmopolita, Armazém São Thiago e Adega Pérola.

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Encontre outras dicas de botequins no Rio de Janeiro em: comer e beber no Rio

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