O CASARÃO ESTEVES FECHOU AS PORTAS. O TEXTO FOI MANTIDO COMO MEMÓRIA GASTRONÔMICA DO RIO DE JANEIRO.
A metamorfose bem vinda de um boteco para o interessante botequim Casarão Esteves no térreo de um lindo sobrado da Rua Marquês de Olinda.
Havia algum tempo eu paquerava um velho boteco no térreo de um lindo sobrado da Rua Marquês de Olinda, no mini sub-bairro da Bambina. Certa vez encostei lá junto ao balcão para tomar uma cerveja de garrafa num fim de tarde da vida.
Nos fundos, mesas de sinuca mata-mata. Na frente o balcão exibia coisas singelas, típicas destes estabelecimentos cariocas, como os famosos ovos, carne assada, salgados. Não comi nada, não falei nada, nem o português do outro lado se dirigiu a mim.
Uma casa admirável pelas paredes azulejadas o piso antigo, que certamente remetia ainda ao período de construção do sobrado, no início do século XX.
“Se eu tiver dinheiro suficiente, e vontade, esse é o bar que eu quero comprar.” Pensava enquanto o meu copo de cerveja seguia a esvaziar. Era o lugar perfeito para, com uma reforma bem feita, montar um grande botequim.
Não ganhei dinheiro suficiente, nem vontade tive para resolver me descambar ao mundo do comércio. Nem acho que aquele português atrás do balcão me venderia o seu negócio.
Especulação imobiliária
Deixei o boteco preocupado com a possibilidade de que ele viesse a fechar as portas, pois sempre estava vazio, com poucos clientes a contar anedotas na porta. Mais ainda pus-me a pensar se o belíssimo sobrado sobreviveria à especulação imobiliária que começava a dominar a cena daquela parte de Botafogo.
Isso foi há alguns anos. Hoje tudo está bastante diferente por lá e segue em pleno processo de mudanças. É quase irreconhecível se compararmos com Botafogo pré-anos 90, uma área de oficinas e com ruas simples de casinhas e vilas. Uma espécie de subúrbio da Zona Sul.
O sobrado da Rua Marquês de Olinda
Felizmente o sobrado da Rua Marquês de Olinda sobreviveu à praga dos edifícios que brotam como ervas daninhas por todos os cantos, transformando o que eram casarões e chácaras em monstruosidades arquitetônicas. Com exceções, é bom deixar claro, pois sou favorável a evolução das cidades, de forma pensada e sustentável.
Mês passado, porém, reparei que as portas do boteco do térreo estavam cerradas. O bar fechou? Perguntei a um sujeito que fumava um cigarro encostado na parede do estabelecimento.
Estava, na verdade, passando por uma reforma. O filho do português aproveitou que o pai foi passar uma temporada na terrinha e botou tudo abaixo, escondido do velho. Nossa, que novidade!
A reforma de um botequim
Sempre que um botequim passa por uma reforma me dá certo aperto no coração: como vai ficar? Será que vão transformar em mais um desses botecos chiques, todos com a mesma cara? Acho que o português não vai gostar nada. A ver.
Um tempo depois, meu sócio Xaxá, que mora pelas redondezas, me avisou que a casa tinha aberto. Numa happy-hour de sexta-feira, com meu amigo e mais o Cascabulho, eu tive finalmente a oportunidade de ver o resultado. Adorei!
É raro ver uma reforma tão bem feita como aquela. Bem feita no sentido de que preservou a essência do velho boteco. Seria uma temeridade arrancar os azulejos das paredes e o piso São Caetano, já fora de fabricação, sabiamente preservados.
Ao mesmo tempo, a reforma possibilitou ampliar o salão, colocar um balcão alto em maneira, largo e confortável para os clientes beberem em pé, além de algumas mesinhas de madeira. Tudo combinando bem com o clima retrô do espaço.
As mudanças valorizaram o passado e alteraram coisas essenciais
Assim que abri minha primeira cerveja já puxei o dono para uma conversa. O filho do português, o simpático André. Elogiei a casa e, claro, minha primeira pergunta foi se era mesmo verdade que ele tinha realizado a reforma escondido do pai.
“Sim”, revelou-me, completando que o velho, Manoel é seu nome, estava desconfiado do que ocorria. Ele gostou? Ficou chocado e aos poucos está se acostumando.
As duas mesas de sinuca mata-mata foram preservadas também. Lá alguns clientes disputavam uma partida. Nas caixas de som, uma seleção de músicas muito bacana, num volume agradável.
Já os banheiros, completamente novos e limpos. Atrás do balcão, André colocou uma mobília antiga de família que combinou perfeitamente com o ambiente. Tudo por lá, me disse, foi feito por amigos.
O arquiteto é cliente do bar, assim como o responsável pela ótima seleção musical baseada na programação do podcast Muqueca de Siri (que eu particularmente recomendo – é muito legal). Talvez por isso, mesmo após a reforma, o botequim ficou com um clima aconchegante, de casa.
A história de um boteco carioca
De um armazém de secos e molhados que atendia a clientela chique das chácaras da região no início do século XX, o estabelecimento seguiu o destino de muitos outros armazéns cariocas, passando para a função de bar.
Com a mudança no perfil da população da área, o local tornou-se um boteco. Manoel, pai do Eduardo, chegou ao Brasil em 1973 para trabalhar no estabelecimento, que era tocado por seu irmão (a casa está nas mãos da família desde os anos sessenta).
Só muito tempo depois Manoel comprou o bar, que começou a cuidar com o filho Eduardo. O local ficou decadente por um algum tempo, mas como todo boteco carioca, sobrevivia de uma cliente hiper-fiel.
O bairro de Botafogo deu uma reviravolta e Eduardo teve muita visão ao bancar a reforma. Ainda mais ao não transformar completamente o local, pois assim perderia o seu charme.
Tomando as rédeas do negócio, transformou o pé-sujo num botequim realmente legal, com uma cerveja geladíssima, petiscos básicos, mas que atendem bem a clientela.
Além de uma seleção de pratos do dia. Todos a circular pela gastronomia típica carioca, como carne assada, frango de panela com batatas, carne seca com abóbora e por aí vai.
O último ato foi mudar o nome da casa de Feixe de Ouro para Casarão Esteves (Esteves se trata do segundo nome de família de Eduardo). Eu gostei.
Fiquei tão feliz com a novidade, que acabei esticando a prosa com meus amigos por mais tempo do que o previsto. Saí de lá com a promessa de voltar para provar os petiscos.
Casarão Esteves
BAR FECHADO. TEXTO MANTIDO COMO MEMÓRIA GASTRONÔMICA DO RIO DE JANEIRO.
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Grandes lembranças da Rua Bambina e Rua Marques de Olinda. Já joguei muita sinuca neste bar.