Foi no livro de Pietro Sorba “Bodegones de Buenos Aires” que encontrei esse maravilhoso e singelo bodegón, a Cantina Don Chicho. Diga-se de passagem, o ótimo guia do gastrônomo italiano – e morador apaixonado de Buenos Aires – foi como uma bíblia para mim durante toda a rápida jornada portenha naqueles dias de fevereiro. Por isso mesmo que me dou o direito aqui a fazer uma propaganda sobre o livro. Se estiverem por Buenos Aires, não deixem de comprar.
Os mais exigentes com ambientes moderninhos certamente ficarão bastante assustados com o estado em que a cantina se encontra. É indisfarçável o ar de decadência. Fiquei um pouco em dúvida se aquilo tem um quê de proposital, para afastar o excesso de clientela indesejada. Fato é que a casa precisa de uma guaribada.
Cantina de 1922
Não digo uma redecorada, e sim, no mínimo, uma boa pintura. A decoração já está e seria um pecado mudá-la. Trata-se de uma casa aberta em 1922 por uma família italiana, que segue servindo ‘hasta hoy’ uma clientela extremamente fiel as pastas caseiras e antigas e secretas receitas. Cada quadro pendurado na parede, cada detalhe ali é importante e representativo no conjunto daquele fascinante lugar.
Eu não sou nem um pouco fresco em relação ao ambiente. Cresci nos botecos cariocas e (que a Vigilância Sanitária não me escute, ou leia) tenho até a crença de que panela suja é que faz comida boa. Mais do que isso, uma baratinha sempre é bom para dar o tempero final. Brincadeiras a parte, uma parede descascada, ou uma velha cadeira bamba não é coisa que me espante. O que me importa é o aspecto da cozinha e da comida servida.
Ao contrário da Cantina La Maroma, a qual estivemos no dia anterior (e que apresenta um ambiente também decadente), a Don Chicho ao menos nos passa essa confiança em relação ao bom trato com a cozinha e, sobretudo, aos pratos servidos.
Quem quiser conferir o ‘backstage’ da casa é só espiar por uma janelinha. Na hora do almoço, a equipe de cozinheiros põe-se a movimentar em meio a pratos de massa e almôndegas. Almôndegas? Quem sabe não é uma boa ideia?
Antepastos italianos
Quase me arrependi (talvez tenha chegado a este ponto) de ter comido a morcilla na Cerveceria Lopez ao ver sobre o balcão da cantina uma apetitosa seleção de antepastos italianos – entre os quais um de melanzane e outro de zucchini.
Fiquei tentado a pedir, porém não seria possível comer um antepasto e depois uma massa. Teria de fazer o terrível exercício da exclusão. Decidi pelo prato principal, o que foi uma sábia escolha.
Entre tantas coisas interessantes roubando nossa atenção, o maior destaque da casa parece ser mesmo a auxiliar da mama sentada ao lado da porta de entrada para preparar as pastas. Digo auxiliar porque infelizmente la mama, Doña Coti, dona do restaurante, não estava presente aquele dia.
As massas são feitas ali na hora, na nossa frente! Faça o seu pedido e depois acompanhe o sagrado processo de amassar das pastas e o de temperá-las através do suor das mãos.
Eu estava louco para ver nossa escolha ali sendo preparada. E não perdemos muito tempo. Optamos por raviolones de ricota, que foi um prato acertado por ser bem leve. A massa caseira servida era bastante suave e o recheio fantástico. Esqueçam a ricota como uma coisa sem graça que a nutricionista insiste em colocar na dieta. Lá na velha cantina portenha, a ricota tem outra dimensão.
Raviolones e almôdegas
Junto com os raviolones, para nossa surpresa, o menino que nos atendia também trouxe uma porção com quatro enormes almôndegas. Não pedimos, elas simplesmente apareceram, como se alguém na cozinha tivesse lido os meus pensamentos.
Mais surpresos ainda ficamos quando o rapaz falou que as almôndegas eram por conta da casa! Nos sentimos bastante constrangidos, até porque os preços cobrados por lá não eram nada exagerados. O melhor que poderia fazer era comer tudo até o fim, como uma maneira de demonstrar o meu agradecimento.
Isso não foi nenhum esforço, muito ao contrário. Estou certo ao dizer isto: foram as melhores almôndegas que comi na minha vida. Em verdade, aquelas enormes bolas de carne redefiniram para mim o conceito de almôndegas. Estou ferrado agora. Onde poderei comer algo semelhante no Brasil?
No fim das contas foi, sem dúvida, o almoço de melhor custo / benefício de toda a viagem. Barato e muito bom. Da próxima vez que estiver em Buenos Aires voltarei ao Don Chicho, com certeza.
Don Chicho
Endereço: Plaza 1411 – Villa Ortúzar. Buenos Aires / Argentina.
Horário: quarta à sábado das 12h às 15h30m e das 20h30m às 00h. Domingo das 12h às 15h30m.
Contato: +54 (11) 3892-7330
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esse livro do Pietro foi uma ótima descoberta mesmo, com ele ja fizemos inumeros tours gastronomicos por buenos aires. cada portinha uma descoberta nova. essa, com certeza iremos conferir!!!!!!!! ja viu o livro de pizzarias?? tem cada uma!!!!!!!!
Olá João,
Conheço este livro sobre as pizzarias sim. Também é muito legal. Queria ter a oportunidade de voltar à Buenos Aires para continuar o roteiro de bodegones. Há muitos relacionados no guia que eu fiquei tentado em conhecer. Se for em algum que eu não incluí no Diários, depois me passa a dica.
Abraços,
Dé Comber