Bom, lá estava eu recém chegado para mais uma jornada por esta cidade que muito me fascina, Buenos Aires. Após me livrar do tagarela do taxista Luis, aguardava com a Silvia uma mesa na Parrilla La Brigada, em San Telmo, em pleno domingo, dia oficial do passeio turístico pelo bairro.
Argentina, um tango
Era a minha quinta viagem a Buenos Aires. Cada passagem minha pela cidade representou um distinto período na conturbada história política e econômica da Argentina nos últimos doze anos.
A primeira vez que estive por allá, o país vivia os últimos suspiros do crescimento econômico da era Menem, quando o castelo de areia estava quase pronto para ruir. Nas ruas a moeda corrente era o dólar ( artificialmente pareado com o peso) e para um brasileiro, o passeio por Buenos Aires uma aventura cara, com o real desvalorizado.
Uma verdadeira reviravolta tomou o país de assalto e a situação na capital Argentina mudou completamente em minha segunda ida a cidade em 2003. Uma grave crise econômica e política culminou em quebra-quebra geral.
Após a renúncia do presidente De La Rua e uma sucessão de governos provisórios, enfim o país conseguiu se estabilizar durante o período Duhalde. Um novo nome na cena política chegava então ao poder, Néstor Kirchner. O peso estava desvalorizado e os brasileiros passaram a fazer a farra na cidade.
Kirchnerismo
Quando fui à Argentina em 2007 o país crescia vigorosamente, compensando, no entanto, os anos em que a economia encolheu e com uma taxa de inflação alta. Néstor Kirchner tornou-se um presidente popular, fundando o movimento populista do Kirchnerismo.
Logo Kirchner impulsionaria a sua esposa Cristina rumo ao poder, para sucedê-lo. Retornei ano seguinte, em 2008, quando o Kirchnerismo enfrentou sua primeira crise com a briga com os produtores rurais relacionada ao aumento de impostos sobre exportações agrícolas.
Agora em 2011 a Argentina conseguiu sair da crise econômica mundial e aguarda a realização de novas eleições. A primeira da era Kirchnerista sem a presença de Néstor, falecido ano passado. Com atos polêmicos, o governo da viúva Cristina segue muito popular, mas enfrenta briga com diversos setores da sociedade, entre eles uma picuinha braba com a imprensa.
La Brigada
A grande distinção do La Brigada é o ambiente tradicional do restaurante. Tem cara de um bodegón aconchegante que nos causa uma imediata atração. Originalmente se restringia ao que hoje é apenas uma pequena sala.
O estabelecimento atualmente é enorme, mas a expansão levou em conta as características originais, mantendo as paredes cobertas de bandeirinhas de times de futebol, grandes balcões em madeira e os vitrais coloridos.
Fomos bem atendidos pelo pessoal que tentava organizar a bagunça de turistas aguardando serem chamados. Ao menos pudemos começar a beber algo por ali, na espera no salão principal ao lado de um bonito piano de calda marrom.
Como o informado, não demorou mais do que vinte minutos para vagar uma mesa para nós. Infelizmente foi no segundo andar, que é um pouco menos charmoso que o primeiro. Pudesse escolher, no entanto, teria optado pelo pequeno salão original.
Serviço quase azedou o almoço
Já estabelecidos na mesa, veio um sujeito suspeito nos atender falando em inglês. Retruquei (em espanhol) que poderia ele falar em sua língua, pois entenderíamos perfeitamente. Ele insistiu, não sei o porquê, em falar em inglês. Propositalmente eu disse a ele que não entendia nada do que estava falando, foi então que resolveu hablar em sua língua nativa.
O jovem magro, de jeitão malandro, careca ensaiada detrás dos seus cabelos negros ralos e sorriso fácil gostava de soltar umas tiradas idiotas que eu realmente não fazia questão que fizessem parte de nossa experiência.
O malandro que nos atendeu insistia em empurrar um vinho para cima da Silvia. Os mais caros sempre! Uma atitude bastante irritante.
Outra situação que nos pareceu estranha foi o fato do garçom não nos deixar pedir a entrada sem antes selecionar também o prato principal. Provavelmente para encurtar o nosso tempo de permanência na casa, dado a procura por mesas por outros tantos brasileiros. A presença daquela pessoa nos atendendo quase azedou o nosso almoço.
Restaurante turístico
Nenhuma das mesas no salão estava vaga e quando pintava uma, ela era logo ocupada. Geralmente por brasileiros. Em volta de nós, só havia brasileiros e a língua amplamente falada, o português. Dava para contar nos dedos os grupos de argentinos por ali.
O problema dos restaurantes que ficam muito turísticos é a perda substancial de sua identidade, a subida astronômica dos preços e o atendimento que se volta todo para explorar o potencial econômico dos estrangeiros.
Por mais bonito e charmoso seja a casa, e por mais gostosa a comida, acaba que a experiência pende ao desagradável, pois tudo ganha ares inevitáveis de artificialidade. Será que o La Brigada vale realmente à pena? Pensava comigo mesmo.
Vinhos caros
Lemos o cardápio e os preços logo se destacaram em nosso olhar. Já tínhamos ideia de que por ali as coisas seriam mais caras, no entanto, principalmente os valores dos vinhos, nos pareceram um pouco absurdos. Para um carioca, mesmo um restaurante caro em Buenos Aires, oferta preços bastante convidativos – por causa do real valorizado.
No entanto, minha base de comparação levou em conta apenas estabelecimentos portenhos e o custo do almoço para um argentino. Nitidamente os valores cobrados na casa eram superiores aos que verifiquei em minhas pesquisas de restaurantes em Buenos Aires. Ao longo da viagem constatei o fato.
Eu sou uma péssima companhia para quem quer tomar vinho, pois não gosto desta bebida, apesar de respeitar e admirar a cultura enóloga. Deste modo, a Silvia ao longo da viagem optou sempre por tomar vinhos da casa, em taça, ou as garrafas de um quarto e a meia garrafa.
Todas, opções facilmente encontráveis em qualquer estabelecimento portenho, do mais largado ao mais chique. O que não faltam em Buenos Aires são as boas qualidades de vinho por preços em conta e servidos da forma que você preferir.
Deste modo, é incompreensível que um restaurante como o La Brigada, com uma extensa carta de vinhos, não ofereça a opção de vinho em taça, ou meia garrafa. Minhas esposa ficou sem muita alternativa, pois tomar uma garrafa inteira de vinho sozinha seria um exagero. Na falta de uma taça ou meia garrafa, ficamos sem garrafa nenhuma. Quer dizer, a Silvia ficou sem. Eu tinha cá o meu porron de Quilmes.
As entradas
Como entrada pedimos, então, um Chorizo (7 pesos) e uma Longaniza (8 pesos). A primeira é a mais clássica linguiça argentina e a segunda, um tipo de embutido um pouco mais longo e de textura mais dura. A longaniza estava uma delicia, mas o chorizo longe de ser o melhor que já comi na Argentina. Para dizer a verdade não nos agradou muito.
De prato principal, solicitamos um Assado de Tira (65) e um Bife de Chorizo (60) acompanhados de uma salada mista e papas fritas. Enquanto aguardávamos ficamos a comer o singelo, e clássico, couvert portenho: uma cesta de pães.
Ao menos no caso do La Brigada eram oferecidos também manteiga e Galletitas, torradinhas em forma circular. Ao longo de toda a viagem, nos diferentes locais que nós estivemos, a simples cesta de pães nos acompanhou.
É raro que o couvert venha acompanhado de manteiga ou Grisines. Isso é um luxo. Azeite? Não existe. A falta do azeite na gastronomia portenha é um dos grandes mistérios de Buenos Aires. Afinal de contas, a base da cultura gastronômica da cidade é a influência italiana e espanhola (principalmente da Galícia), países devoradores de azeite.
A levar em conta que a Argentina é uma grande produtora de azeitonas, e exportadora de azeite, é incompreensível que o óleo de oliva não faça parte da vida dos buenairenses.
Carne cortada na colher
Uma das curiosidades a cerca do restaurante, que é explorada ao máximo como um marketing para gringo, é o fato dos garçons cortarem as carnes com uma colher de tão macias que são. Isso me lembrou o saudoso Parque Recreio, no Flamengo, onde os garçons também cortavam as peças com colheres antes de servirem no prato. Tudo para impressionar os clientes. É uma besteira interessante, que valeu uma foto.
Na verdade o garçom malandro estava tendo até alguma dificuldade de cortar com sua cuchara o assado de tira que pedimos. Depois de suar bastante, enfim conseguiu. Diferente foi com o Bife de Chorizo, que parecia se desmanchar a cada colherada.
Bom, como deu para perceber logo de cara o assado de tira não estava lá muito macio, porém bastante saboroso, como é comum ao corte. Essa é uma maneira de servir a costela de novilho que eu invejo, pois é difícil encontrar um lugar no Brasil que a ofereça. Querem saber sobre o Bife de Chorizo? Talvez tenha sido o melhor que já comi na vida. Macio, saboroso, impecável. Inacreditável como conseguem servir um contra filé daquela maneira.
Para acompanhar a carne foi deixado na mesa um bom molho de pimenta e a clássica salsa chimichurri. O delicioso bife de chorizo compensou bastante a má impressão que tive sobre alguns aspectos do restaurante. Foi o ponto alto do almoço.
Las papas fritas, no entanto, não ajudaram nada na avaliação. Péssimas, moles e gordurosas. Não dá para entender, fazem uma carne daquela e parecem desprezar o acompanhamento.
Conclusão
No final a conta saiu por volta de 133 pesos por pessoa. Caro em comparação a outras parrillas portenhas. Mas se levarmos em conta que isso dá mais ou menos R$ 55,00, o almoço foi barato em relação aos preços exorbitantes dos restaurantes do Rio de Janeiro.
Eu saí do La Brigada sem saber bem se recomendo ou não a parrilla, muito menos se gostei da experiência no restaurante. Apesar de ter comido um dos melhores bifes de chorizo da minha vida. Como disse o meu amigo e blogueiro argentino Lionel, esqueça todo resto no La Brigada e atenha-se somente a carne. Eu não consegui. Talvez vocês possam.
Parrilla La Brigada
Endereço: Estados Unidos 465 – San Telmo, Buenos Aires. Argentina.
Horário: de terça a domingo das 12h às 15h e das 20h às 00h.
Contato: +54 (11) 4361-5557
Para saber mais:
labrigada.com.ar
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Na próxima vez que visitar San Telmo, vai no “Desnível” (Calle Defensa 855). O local em si não tem grandes atrativos (a não ser os posters de Quilmes pelas paredes), mas prova o Bife de Chorizo Mariposa e a Tortilla de Patatas… Sensacional!!! Aos domingos é lotado, mas me pareceu mais um restaurante de locais do que de turistas.
Abraço,
Otto
Boa dica essa! Se eu soubesse antes…